ESPAÇO FAMÍLIA - Núcleo de JUSTIÇA RESTAURATIVA

Este espaço destina-se à difusão de conhecimentos sobre JUSTIÇA RESTAURATIVA, seus princípios e práticas.

23 maio 2006

Sobre pontes, braços, e abraços

Olha aí o Recife.
Ilha e pontes.
Corpo e braços
muitos braços que se estenderam
muitos braços que envolveram
muitos braços que se enroscaram
formaram teia.
Teia que acolheu,
que se desdobrou
daquele jeito que se desdobram
as teias de mil laços, de muitas mãos.


Olha aí o Recife.
Gente formiguinha lá em baixo
fazendo caminho
trilhas da história do tempo de ser paz.
E de ser restaurado e restaurativo
como só sabe ser o que entende de pontes
de braços, de abraços.
Que bons dias esses do abril do Recife
na semana Santificada
pela ação dos que rEvolucionam
se reconhecem corpos e pontes
e cheios de braços, nos abraços e pontes restauram a Vida.

Márcia Gama
II SIMPÓSIO BRASILEIRO DE JUSTIÇA RESTAURATIVA - abril 2006

16 maio 2006

... e o Círculo Restaurativo chamado Ciranda





Pena que o blog não tem som!
Precisa falar mais?

Gratidão é o sentimento de toda(o)s que fazem o Espaço Família.

Agora, o adeus...






Numa proposta bem informal para um encerramento, fizemos, logo após a fala do representante da Fundação Joaquim Nabuco, instituição parceira na realização do Simpósio, uma despedida de todos os palestrantes que se encontravam presentes. Foi um momento comovente para todos e começou com o Dr. Leoberto Brancher, o mesmo da palestra inicial, cuja fala emocionou, mobilizou, e sobretudo comprometeu aos que o ouviram a se informarem mais, aprenderem mais e exercitarem mais a sua responsabilidade de co-construtores da vida na terra, adotando práticas que estejam, como as práticas restaurativas, a serviço da vida humana.
E se seguiram tantas falas importantes, tantos 'toques' imprescindíveis, tanta troca de Amor, aquele sentimento maiúsculo que guiou todas as ações desse evento, que em muitos a expressão foi além do aplauso e chegou ao pranto de celebração. Benditos momentos tivemos juntos ali.

O Dia do Encerramento

Para o dia do Encerramento foram preparados momentos mais formais - Leitura da Carta do Recife e Palestras de Encerramento, e momentos de congraçamento.
Mas aconteceram mudanças. Bem vindas mudanças.
Tivemos a leitura da Carta do Recife, e depois desta, uma palestra surpresa, cuja história vale ser contada.
Na tarde do domingo antes do evento, estávamos fazendo a decoração quando fomos abordadas por uma hóspede do hotel que queria saber qual era o evento. Era francesa essa hóspede - Mme. Marie Dominique Vergez, e logo nos entendemos pois ela, ao saber que o evento tratava de Justiça Restaurativa, mencionou que trabalhava com o tema em Paris, onde era Conselheira da Corte de Apelações. Estava no Recife a convite de uma Ong parceira de seu projeto, a CIAF de Ribeirão Preto-SP, para lançar uma campanha contra a Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes.
Ousamos fazer um convite para que assistisse ao evento mas ela, muito eufórica com a oportunidade, ofereceu-se para fazer uma palestra sobre o projeto que desenvolve no âmbito da JR e de como andam as iniciativas nesse campo na França. Disse logo que buscaria um tradutor e ficamos de ver em que horário poderíamos encaixar a sua palestra.
Ficou para o dia do encerramento. Foi uma "canja" de elevado nível e nos deu uma oportunidade de ver o que está sendo feito na França e sobretudo de constatarmos nossos avanços visto que os projetos aqui desenvolvidos têm caráter mais completamente restaurativo que o que ela descreveu, que se foca mais na fase da negociação de reparação.

A mesa foi mais rica ainda por contarmos com a participação do Prof. Pedro Scuro Neto, que se propôs a auxiliar na tradução, para maior clareza de alguns aspectos, visto que o tradutor que tão gentilmente acompanhou a palestrante não era versado no tema e acolheu com simpatia a ajuda oferecida pelo Prof. Pedro. E o II Simpósio ganhou ares de evento internacional com esse intercâmbio imprevisto e tão oportuno.

Justiça Restaurativa e Cultura de Paz

Eis um momento de integração de saberes em favor da construção maior: o estabelecimento de uma Cultura de Paz na terra.
Dominic Barter, tão conhecido por todos por sua militância na disseminação da Cultura de Paz através da palavra, fundada no modelo da Comunicação Não Violenta (desenvolvido por Marshall Rosenberg) que é seu instrumento para a prática da Mediação de Conflitos e da facilitação de Círculos Restaurativos, falou-nos daquilo que inspirou essa criação e da necessidade de um modelo de comunicação que expresse esse tipo de sociedade cooperativa e servidora que se quer construir.
O eminente Professor Francisco Gomes de Matos discorreu sobre o trabalho que realiza no campo da pesquisa e desenvolvimento de uma linguagem que sirva à vida, que sirva à paz, denominada Lingüística da Paz. Como autor de inúmeros trabalhos nesse campo, o Professor Gomes de Matos trouxe uma contribuição imensa ao que se queria despertar na audiência: a consciência de que é nosso o poder de realizar essa construção e de que somos dotados dos instrumentos necessários a isso.
Sempre reconhecendo que "no princípio era o verbo" viu-se que também para a consolidação das práticas restaurativas é imperativo o desenvolvimento de uma fala apropriada a esse objetivo, em substituição ao que hoje temos como padrão de comunicação que serve ao modelo social de dominação e confronto.
A Professora Maria Elvira Tuppy, com seu jeito de paz, fez uma bela apresentação que levou toda a audiência a uma profunda reflexão, quase meditativa, acerca da necessidade de nos vermos como um grande sistema cuja subsistência saudável depende de interconexões saudáveis, somente possíveis com esse reconhecimento de totalidade e unicidade.
E essa bela mesa teve a coordenação e comentários do Eng. Afonso Celso Wanderley, membro da Unipaz/PE que, com sólida formação em Cultura de Paz, contribuiu ainda mais para uma mesa que dava todo sentido ao chamado do Simpósio pela interdisciplinaridade.

Experiências de Atendimento à Família

Um encontro dos mais concorridos foi aquele em que a equipe do JECRIM de Olinda apresentou suas estratégias de atendimento aos casos envolvendo famílias.
O Juiz Ailton Alfredo e sua equipe demonstraram de maneira vívida e dinâmica as estratégias e os resultados que obtém e fez a ligação dessas práticas com aquelas preconizadas pelo modelo restaurativo. Foi um momento de constatar-se que, intuitivamente, muitas pessoas já vêm se dedicando à consagração de práticas que têm como objetivo a manutenção e melhoria das relações humanas afetadas por uma situação de conflito e até de crime. Certamente essa é uma equipe para quem o desenvolvimento de um projeto de Justiça Restaurativa será facilitado por essa experiência humanizadora atual. E o reconhecimento foi manifestado em muitos aplausos e parabenizações que se ouviam pelos corredores.

15 maio 2006

Entre um aprendizado e outro, a alegria

De novo os participantes foram brindados com arte e alegria com exibições artísticas vibrantes e coloridas.
A Casa de Passagem apóia esses e muitos outros jovens talentosos, propiciando espaços e condições para desenvolvimento de sua arte e integração comunitária.
Os participantes do II Simpósio Brasileiro de Justiça Restaurativa puderam se emocionar e manifestaram essa emoção nos efusivos aplausos que dedicaram a essa juventude dançante.

A Mediação Vítima-Ofensor

O Dr. André Gomma de Azevedo fez uma apresentação detalhada e apoiada num filme gravado especialmente para o evento e posteriormente para as capacitações que ele realiza, de uma Mediação Vítima-Ofensor onde um caso é abordado por equipe interdisciplinar, nos moldes dos atendimentos do Projeto do Núcleo Bandeirante - Brasília.
Além de assistirmos ao desempenho artístico de profissionais da equipe que trabalha com o Dr. Gomma (que as produtoras de novelas não os vejam, senão a JR perde logo sua maravilhosa colaboração), vimos como é possível aprender os detalhes da difícil mediação vítima-ofensor. Uma aula de mestre!!

Terapia Comunitária e Círculo Restaurativo

Enquanto muitos assistiam à palestra sobre CNV, outro grande grupo participava de uma experiência nova, proporcionada pela equipe do Espaço Família.
Foi uma Oficina/Sessão de Terapia Comunitária, modelo de atendimento para escuta e alívio de sofrimentos cujas regras de funcionamento em muito se assemelham às do Círculo Restaurativo e foi apresentado para estimular o desenvolvimento de nossos modelos para esse tipo de procedimento.
A Terapia Comunitária é um procedimento desenvolvido pelo psiquiatra e antropólogo cearense Prof. Adalberto Barreto, que realiza em Fortaleza o Projeto 4 Varas (www.4varas.com.br), e o Espaço Família, em cuja equipe há vários profissionais com essa formação, é um Pólo Formador de Terapeutas Comunitários no Recife, no âmbito do convênio do MISMEC - Movimento Integrado de Saúde Mental Comunitária e a SENAD - Secretaria Nacional Anti-Drogas.
A percepção do quanto essa dinâmica de atendimento se presta aos atendimentos restaurativos como os Círculos Restaurativos foi o resultado concreto da inserção dessa oficina na programação do II Simpósio de Justiça Restaurativa, consagrando seu apelo pela interdisciplinaridade.
Segundo o relato de Kátia Saraiva, do Núcleo de Terapia Comunitária do Espaço Família e uma das facilitadoras da sessão, "a TC durante o Simpósio foi muito boa , ESPECIAL !"

"Eu e Socorro Neves fomos as facilitadoras, num encontr que contou com 25 participantes. Haviam 50 inscritos mas como o horário da manhã foi extrapolado um pouco, tivemos uma diminuição do público inscrito e esperado, já que não podíamos retardar muito o início da TC porque a sala seria utilizada logo a seguir por uma outra oficina.

Os 25 participantes ( 21 mulheres e 4 homens ) compartilharam , dinamicamente, durante as quase 2 horas de TC, a começar pelo acolhimento quando Socorro fez. Todos tiveram oportunidade, neste momento, de rir, de brincar e de cantar, uma descontração muito necessária para o 1o. entrosamento e para a confiança no grupo.

Após toda a descrição do que é TC e definição de suas regras, abrimos o espaço para que temas fossem apresentados, sempre colocando que "quando a boca fala o corpo sara". De imediato as mãos foram se levantando e rapidamente 5 assuntos nos foram confiados, todos girando em termos de perdas em geral.

O tema escolhido (o sofrimento e o vazio sentido por G. por perder seu marido há um mês, doente de cancer e a perda de um filho, assassinado, há um ano) recebeu 16 votos, mostrando que a maioria dos participantes se identificou com a questão, havendo muito interesse para o desenrolar da TC.

Quando o mote foi apresentado (Quem já passou por uma grande perda , e como fez para superar?) de imediato várias mãos indicaram que estavam disponiveis para ajudar G. trazendo para ela o testemunho de suas várias estratégias de superação.
Para fechar esta etapa, lemos para G. o resumo das estratégias de superação apresentadas pelos participantes da TC e ela agradeceu a oportunidade de falar, de desabafar. Agradeceu tambem a escuta de cada um e a contribuição de todos falando também de suas dores para ajudá-la. Ela declarou que estava se sentido melhor depois da TC.

No final abrimos uma grande roda de partilha e quando Socorro lançou a pergunta "o que estamos levando desta TC ?". De imediato surgiram palavras como: amor, fraternidade, confiança, aprendizado, fé, partilha, união, conhecimento,... etc. e depoimentos assim: como meu problema é pequeno; O sofrimento de G. me fortaleceu; Como foi bom participar desta TC; Esta TC também me ajudou porque falei de mim... etc.

Feita a etapa de fechamento, sugerí abraçarmos uns aos outros. Foi muito bom!

A Comunicação Não Violenta - Instrumento para a Prática Restaurativa

Muito esperada por todos, a Oficina de Comunicação Não Violenta tornou-se uma apresentação, e uma oportunidade de ouvirmos sobre o trabalho que vem sendo realizado por Dominic Barter na capacitação das equipes que estão atuando nos projetos-pilotos.
A CNV faz a diferença no atendimento por propiciar ao facilitador ou mediador comunicar-se de um jeito que desconstrói padrões de competitividade/ agressividade e conduz à fala que expressa verdadeiramente a assunção de responsabilidade, o reconhecimento do outro, a valorização de sentimentos, valores e necessidades de todos os envolvidos, e a abertura empática para o diálogo que pode construir os acordos de reparação e a reconciliação preconizadas pelo modelo de Justiça Restaurativa.
A CNV é uma resposta àquela pergunta tão angustiante que de imediato nos acode: "como conseguir que as pessoas que nos chegam com tanta mágoa, tanta raiva, e tanta certeza em suas posições dêem um passo em direção à responsabilização, reparação e reconciliação de que falam os Princípios e as Práticas Restaurativas?"
Dominic deu exemplos muito vivos de como isso ocorre e encheu a todos da certeza de que a JR é algo realizável em grande parte (na verdade na maioria) dos casos de conflitos dolorosos.

A conexão com as artes continua



A Oficina de Pintura foi repetida nesse começo de tarde e um painel foi composto com a visão dos participantes acerca de Justiça e Justiça Restaurativa. Maria Nobre, sócia fundadora do Espaço Família e dublê de psicóloga e pintora, incumbiu-se de conduzir essa 'viagem'.

Foi um momento de reflexão e descontração, numa visita à criança que todo adulto tem em si e que permite expressões não censuradas de crenças e valores ciosamente guardados pela não assunção da "responsabilidade ativa" de que nos falou o Dr. Eduardo Melo naquela manhã.

14 maio 2006

Justiça Restaurativa - Liderança e Espiritualidade

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... ou a hora mágica...
Num evento tão marcado por acontecimentos tocantes não poderia ter faltado um momento verdadeiramente mágico.
A mesa Justiça Restaurativa - Liderança e Espiritualidade foi programada num horário desafiador para qualquer palestrante: aquela hora que antecede o final dos trabalhos da manhã e vizinha da hora do almoço. No dia anterior já víramos acontecer a azáfama comum a essa hora, com platéia dispersa e agoniada para sair, sobretudo por causa do atraso que já se verificava.
Mas a mesa em que o Dr. Egberto Penido, juiz de direito de São Paulo e uma das lideranças do Movimento Restaurativo no Brasil falaria sobre Justiça Restaurativa e Espiritualidade, e o Filósofo e Professor Deodato Rivera falaria sobre Justiça Restaurativa e Liderança fez acontecer a magia da conexão plena e o que se viu foram momentos de quietude inimaginável, de atenção contrita, de um silêncio inspirador da paz e serenidade com que todos saíram daquele auditório naquela já atrasada hora de almoço.

O Dr. Egberto começou sensibilizando a todos com uma citação que, por sua origem, comoveu mais aos de casa:

"Ajudem a restaurar na angustiada condição humana a crença na Justiça. E que a Justiça venha a ser para vocês e para todos nós… algo tão essencial à vida, como o pão e a água que diariamente a todos alimenta"… "E que, em consequência, a Justiça exista…: como a luz, como a sombra, como o mar, como os rios, como tudo aquilo que, sendo dávida de Deus, não pode desaparecer…"
Syleno Ribeiro de Paiva eminente jurista pernambucano em seu discurso de paraninfo dos concluintes de 1968 da Faculdade de Direito do Recife

A partir daí as falas daquela mesa remetiam a algo muito além da dimensão do intelecto, envolviam todo o ser e quem participou daquele momento pôde experimentar algo como ter feito uma sessão de meditação profunda. E felizmente uma meditação em torno dos princípios e valores que devem sustentar as práticas restaurativas.

Justiça Restaurativa e Filosofia

Um dos momentos mais brilhantes do evento foi sem dúvida esse encontro.
Ouvir o Dr. Eduardo Melo discorrer sobre
Justiça Restaurativa e a questão da responsabilidade ativa - onde fez uma análise filosófica da fundamentação do projeto "Justiça e educação: parceria para a cidadania" que desenvolve em São Caetano do Sul, foi um momento de muitas respostas, um mergulho naquilo que se pode considerar o cerne do modelo restaurativo e o verdadeiro elemento de transformação na pessoa (valor Justiça) e no sistema. A clareza e convicção com que ele discorreu sobre esses aspectos tão importantes para o desenvolvimento de projetos que se queiram enquadrar como 'restaurativos' mobilizou profundamente a audiência.
E sua fala não poderia ter tido melhor seqüência que aquela do Prof. Marcelo Pellizoli, filósofo que desde que conheceu o movimento de Justiça Restaurativa tem buscado o aprofundamento necessário e já compreendeu bem a dimensão da transformação que está em curso . Com agudeza e muita propriedade envolveu a platéia com reflexões profundas acerca do que está acontecendo com a sociedade e do que está por vir, caso mudanças como as do modelo de Justiça Restaurativa não se instaurem com a celeridade reclamada.
Esse diálogo teve o "auxílio luxuoso" do Dr. Gilberto Lúcio, psicólogo do TJPE e do NAAP-MPPE que, no papel de Mediador, trouxe também reflexões que enriqueceram ainda mais o diálogo, quando de sua intervenção.

13 maio 2006

Justiça Restaurativa e Saúde

Com a competente mediação do Prof. Dr. Roberto Faustino de Paula, coordenador do Curso de Especialização em Terapia Familiar da UFPE, a mesa Justiça Restaurativa e Saúde despertou grande interesse por ser essa uma interconexão das mais relevantes num processo restaurativo.
Essa ligação foi sabiamente exposta e esclarecida na fala da Dra. Vânia Curi, psicóloga e mediadora, entre outras competências, que falou da sua grande experiência com esse trabalho de abordagem holística de conflitos e de seu entusiasmo com as possibilidades trazidas nas propostas da Justiça Restaurativa.
A Dra. Adriana Barbosa Sócrates deu seqüência à mesa falando de seu trabalho acadêmico e sua experiência como participante da equipe do Projeto de Justiça Restaurativa do Núcleo Bandeirantes em Brasília. Trouxe a importância da visão psicanalítica nos processos de intervenção restaurativa e o quanto esses conhecimentos podem subsidiar os atendimentos e direcioná-los à cura das situações de conflito e até violência pela transformação comportamental da pessoa atendida com esses fundamentos. Se em Justiça Restaurativa se cuida de mudar uma visão maniqueísta consagrada por uma visão dualista da vida e do ser, a contribuição das ciências da saúde, sobretudo da saúde psíquica do ser humano, é imprescindível para a consecussão desse objetivo.

A Hora do Encantamento

Aqui uma visão daquele encontro onde juízes e promotores ouviam atentamente sobre o repertório de possibilidades de fazerem mudar o rumo desalentador da história da Justiça nos nossos dias.
Os que já experimentaram o encantamento cuidavam em encantar os neófitos. Eram tantas dúvidas, tantos questionamentos. Mas era também tanta determinação, tanta vontade, que decerto valeu a pena a momentânea cisão na programação do Simpósio.
Afinal, acudiram ao chamado juízes e promotores em cujo coração aquele "Sim" que segundo o Dr. Egberto está contido no termo Simpósio, já estava gritando por uma oportunidade de existir. Agora é esperar que frutifique a semeadura feita ali e que o encantamento lançado se consagre em projetos restaurativos.

O Dia dos Encontros e Desencontros

O segundo dia reservou surpresas, encontros e desencontros. A programação, por propostas várias, foi mudada. O Juiz Eduardo Melo, cioso da necessidade de mobilizar mais o nosso Judiciário, cuja presença era pálida - provavelmente pelo fato do evento ter sido organizado por uma instituição que não faz parte do 'sistema', convidou pessoalmente juízes e promotores locais para uma reunião no contexto do Simpósio. Como ele estava com sua viagem de volta marcada para a tarde daquele dia, essa reunião teria que acontecer pela manhã. Foi uma iniciativa providencial mas que gerou o desencontro de juízes e promotores com os profissionais de outras áreas - o encontro interdisciplinar. Da programação daquela manhã constavam "Justiça Restaurativa e Saúde", "Justiça Restaurativa e Filosofia" e "Justiça Restaurativa e Liderança e Espiritualidade". Então ficou o lamento pelo fato de juízes e promotores terem perdido esse encontro, embora estivessem também participando desse magnífico momento de primeiro contato com a JR.
À tarde tivemos outro desencontro. Estava marcado para as 16h um Debate sobre a Proposição Legislativa sobre a instituição da Justiça Restaurativa no Brasil. Na véspera recebemos um telefonema da assessoria do Deputado Leonardo Monteiro, relator da proposição no Congresso, informando que o mesmo participaria do Debate, mas que devido à necessidade de voltar no mesmo dia para Brasília não poderia ficar no horário antes programado. Como tínhamos sala disponível mudamos o horário do Debate para as 14:30 e avisamos aos participantes no microfone e no telão. Perto da hora do almoço fomos avisados de que o Deputado não conseguira mudar seus compromissos e não tinha vindo ao Recife. Infelizmente houve um esvaziamento e o Debate não reuniu número mais expressivo de pessoas, embora as que ali estiveram fossem bem representativas do 'pensamento restaurativo'. Procuramos acolher com empatia o desgosto do Dr. Renato Sócrates que tanto desejava ver essa proposta melhor conhecida e debatida por tanta gente já encantada com os Princípios da Justiça Restaurativa.
Para gáudio de todos nós, mesmo sem a contribuição que se queria obter no Debate, a tramitação da proposição seguiu célere, foi apresentada ao Congresso e já há uma proposta de Projeto de Lei em curso. Agora cabe-nos acompanhar e sobretudo opinar para que a Lei a ser criada represente com o máximo de fidelidade os Princípios pelos quais estamos trabalhando.

12 maio 2006

A Educação Restaurativa

Esse primeiro dia de simpósio terminou com uma roda de diálogo em torno de um tema fundamental: A Educação Restaurativa. Numa mesa em que estavam o Professor e Filósofo Deodato Rivera, o Juiz e Professor André Gomma e a Professora Maria Elvira Tuppy, os vários aspectos da íntima conexão da Educação com a Justiça Restaurativa foram apresentados. E contando novamente com a hábil Coordenação de Mesa do Dr. Carlos Eduardo Vasconcelos.

Ao Dr. André Gomma coube iniciar o diálogo com uma apresentação acerca daquilo que se precisa para promover a formação das pessoas que vão desenvolver as práticas restaurativas quer no âmbito do judiciário, quer em outras instâncias onde elas venham a ser aplicadas. Ele tratou com muita propriedade daquilo que se poderia chamar de Formação para as Práticas Restaurativas e que deverá constituir-se do estudo de disciplinas que hoje não estão presentes em nossos currículos de formação profissional e que já são imperativas, visto a grande demanda por habilidades de abordagem de conflitos e enfrentamento da violência que, insidiosa, já está presente em quase todos os ambientes de grupos humanos.

O Professor Deodato Rivera, com sua verve criativa e inspiradora, falou da Educação Restaurativa como um processo que determina a própria "restauração da educação", transmutada nos tempos modernos, de busca da eficiência produtiva, em instrução ou adestramento para a produção de bens e serviços, e distanciada da formação para valores existenciais humanos. Ouvi-lo é confirmar a direção que a educação deve tomar para promover a mudança na cultura de valores de competição e retribuição para os valores da cooperação e restauração de relações saudáveis entre humanos.

A Professora Maria Elvira Tuppy, vinda de Araçatuba para nos falar de como educar para a Cultura de Paz e de restauração onde as relações humanas já estão comprometidas por crenças e valores distorcidos, criou aquele momento mágico de comoção e mergulho interior.
Com muitas imagens inspiradoras, falou, e provou com dados do trabalho que desenvolve nas escolas da região noroeste de São Paulo, que a Educação Restaurativa é a educação para a Paz e que é um longo caminho feito das experiências diárias de respeito a si mesmo, ao outro, ao ambiente que o abriga.
E demonstrou como isso é fundamental para que se consolide a mudança cultural proposta pela Justiça Restaurativa. Trouxe-nos o alento da certeza de que tudo que hoje inquieta e intimida a sociedade competitiva e aguerrida em que vivemos pode ser transformado quando as pessoas são educadas para os valores que respondam aos anseios de vida digna e realizada.

E por que não a dança...?



Quem veio viu e gostou...

Jovens participantes de projetos sociais da Casa de Passagem, uma instituição parceira do Espaço Família, e residentes no bairro onde se localizava o Recife Praia Hotel, apresentaram nos intervalos vários números de dança que bem expressavam a alegria de recebermos a todos que aceitaram o convite de estarem ali, respirando a transformação, se inspirando para serem os portadores da boa nova e fazedores da verdadeira Justiça, que responde ao anseio da justiça pessoal e vai mais longe, tornando-se Justiça Social de verdade.

E além dos aplausos e expressões carinhosas da gratidão de todos, esses jovens saíram imbuídos da certeza de que ali se cuidava, e muito bem, do mundo em que eles viverão sua plenitude.

A experiência de Brasília



Diante de platéia atenta e curiosa o Dr. Asiel Henrique de Souza, responsável pelo Projeto de Justiça Restaurativa que está sendo desenvolvido em Brasília, no Núcleo Bandeirante, e que envolve o Juizado Especial Criminal daquela comunidade, discorreu sobre o desafio e a grande transformação propiciada pela aplicação dos princípios e práticas da Justiça Restaurativa no âmbito da justiça criminal. O Projeto do Núcleo Bandeirante é o pioneiro na área criminal de adultos e em muito se diferencia daqueles projetos voltados para a infância e adolescência. Numa exposição bem objetiva e apoiada pelo depoimento de membros da equipe interdisciplinar que atua no projeto, o Dr. Asiel pôde esclarecer muitas dúvidas sobre a aplicabilidade dos processos restaurativos no âmbito criminal e demonstrar com dados já consistentes a importância da transformação proporcionada pela implantação da Justiça Restaurativa nessa área onde é tão cristalizada a prática da retribuição (o modelo "olho-por-olho").
A platéia saiu dali com muitas respostas e agora com as perguntas do como fazer aquilo em sua própria prática de Justiça.
Foi um momento de aprendizado e de alívio para muitos que ainda não conseguiam ver quão transformadores resultados a Justiça Restaurativa pode apresentar também na Justiça com adultos.

A experiência de Porto Alegre



O Dr. Leoberto Brancher apresentou as estratégias, a metodologia e os resultados das práticas que desenvolve no âmbito do Projeto de Justiça Restaurativa que lidera na 3ª Vara da Infância e da Adolescência de Porto Alegre, onde responde pela execução das Medidas Sócio-educativas aplicadas aos jovens infratores. E é no âmbito da aplicação dessas medidas que mais se concentram as práticas restaurativas que estão produzindo os resultados transformadores buscados. Surpreendeu a muitos, motivou a maioria, e sobretudo fez com que ninguém saísse dali indiferente à grandiosidade do que pode ser obtido com esforços pessoais verdadeiramente comprometidos com a construção de um mundo compassivo, pacífico e mantenedor da vida, como o que é feito pelo Dr. Leoberto e sua equipe.
E ressalte-se que os esforços do Dr. Leoberto vêm de muito antes de estar à frente desse projeto visto que há cerca de seis anos vem desenvolvendo práticas restaurativas, mesmo de forma não sistematizada como no projeto-piloto que o TJRS abraçou nessa parceria com o PNUD e a Secretaria de Reforma do Judiciário.
Esse foi mais um dos momentos de grande aprendizado de 'como' fazer Justiça Restaurativa.

A semeadura da JR em Pernambuco



As palestras da primeira manhã do evento tiveram a coordenação do Dr. Carlos Eduardo Vasconcelos - Gerente de Mediação e Prevenção de Conflitos da Secretaria de Justiça de Pernambuco, que na sua intervenção falou da sua iniciativa em direção à cultura restaurativa e de abordagem não-violenta às situações conflituosas, antes mesmo que se tornem caso de polícia e de justiça. Trata-se do Projeto dos Centros Comunitários de Mediação de Conflitos. Por esse projeto as comunidades estão sendo preparadas através da capacitação de suas lideranças nas práticas de intervenção mediadora, estão sendo estimuladas a identificarem locais nas próprias comunidades onde essas lideranças poderão atuar, inteirando-se dos conflitos e procedendo ao primeiro atendimento, e foi formado na SEJUDH um quadro de Mediadores, em parceria com o CEMAPE - Centro de Mediação e Arbitragem de Pernambuco, que estão atendendo aos casos encaminhados por esse facilitadores de Mediação que fazem a primeira escuta na própria comunidade.

É um projeto ousado, atualmente focado na Mediação, mas no qual serão paulatinamente inseridas práticas restaurativas que vão além desta visto que muitos casos não podem ser abordados por esse método. São os princípios da Justiça Restaurativa sendo introduzidos em outros ambientes onde o valor Justiça é reclamado, precedendo ou extrapolando o campo do Judiciário.

As Experiências Brasileiras de Justiça Restaurativa



Na tarde desse primeiro dia de encontro, a audiência foi dividida em grupos para acompanhar as apresentações das experiências brasileiras de Justiça Restaurativa. Foi um momento de difícil escolha pois tratava-se de escolher uma apresentação e perder duas outras, todas igualmente esclarecedoras do "como fazer" Justiça Restaurativa.

O Dr. Eduardo Melo, juiz responsável pelo Projeto que está sendo desenvolvido na cidade de São Caetano - São Paulo, discorreu sobre como está sendo desenvolvido esse projeto que tem uma característica muito peculiar pois envolve diretamente outro importante espaço de promoção e consolidação de mudança de cultura num povo – a Escola. Foi um momento em que se vislumbrou com muita clareza a necessidade da Justiça ser um valor exercido na interdisciplinaridade, no envolvimento sistêmico de todos os atores sociais co-responsáveis pela formação do substrato cultural que caracteriza uma determinada sociedade.

Dr. Renato Sócrates e os desafios JR


Na terceira mesa do primeiro dia do evento, a responsabilidade da apresentação do tema "Justiça Restaurativa – O papel dos operadores do sistema de justiça criminal" foi do Dr. Renato Sócrates Gomes Pinto, Procurador do DF aposentado, Diretor do Instituto de Direito Comparado e Internacional de Brasília, e um dos mais atuantes líderes no movimento de implantação da Justiça Restaurativa no Brasil, estudioso dos aspectos jurídicos relevantes ao desenvolvimento de projetos e às mudanças necessárias na legislação brasileira. De fala objetiva, e com sua larga experiência de muitos anos como operador do sistema de Justiça, quer como advogado, quer como promotor público e procurador, o Dr. Renato expôs os desafios, suscitou ponderadas reflexões na platéia, esclareceu muitas das dúvidas que o tema suscita naqueles que já se ocupam com a operacionalidade do nosso sistema de justiça. Teve como debatedora a Dra. Yélena Araújo, promotora de justiça com atuação no 1º JECRIM do Recife, que subsidiou o tema da apresentação com uma sucinta exposição acerca dos desafios que tem enfrentado na sua lide diária, na busca de respostas diferenciadas que atendam de forma mais humana aos ‘crimes’ que chegam ao juizado em que atua.
O momento de troca e de interação entre palestrantes e platéia, embora comprometido pela exigüidade de tempo, permitiu que muitas perguntas fossem respondidas e que intervenções reflexivas da platéia enriquecessem o aprendizado daquele momento. A natureza controvertida das práticas restaurativas cotejadas com o sistema jurídico atual suscitou questionamentos que deixaram clara a necessidade de mudanças na legislação, como a que está sendo proposta pelo IDCB – Instituto de Direito Comparado e Internacional de Brasília e que já tramita no Congresso Nacional.
Ficou em todos o necessário gosto de "quero mais", que é sempre um dos objetivos de um encontro como esse, que não pode senão motivar para a busca do aprendizado mais aprofundado.