ESPAÇO FAMÍLIA - Núcleo de JUSTIÇA RESTAURATIVA

Este espaço destina-se à difusão de conhecimentos sobre JUSTIÇA RESTAURATIVA, seus princípios e práticas.

07 maio 2007

Fundamentos para a restauração da justiça - II

1. Visão de conjunto e contexto de crise

Se queremos entender melhor do que se trata com Justiça, precisamos pensar o momento histórico-cultural vivido, num mundo que foi, a fórceps por vezes, se globalizando. A visão de contexto/conjunto aponta para uma crise de paradigma, do que nenhuma ciência ou prática institucionalizada escapou; e é justamente nesta seara pantanosa e ao mesmo tempo fértil que surgem as formas alternativas dentro de uma possível cultura de paz.
Na entrada do séc. XX temos uma ruptura epistemológica séria, dentro do Saber e chegando às bases civilizacionais como um todo. Isso significa que os modelos compreensivos de mundo, por exemplo, de matéria como algo sólido atomizado, de pessoa individual sem inconsciente, de fatos objetivos no mundo externo independentes do observador, de dimensão fragmentária e simplificadora da vida, da divisão homem-natureza, entre outros, estes modelos imperantes começam a ruir. Não apenas pelo surgimento de novas teorias mais apuradas, mas devido aos efeitos danosos desta epistemologia, que toca e molda imediatamente a concepção estética (sensibilidade), ontológica (o ser das coisas), sociológica e ética em especial, valores que seguimos. Em termos mais técnicos, trata-se de um questionamento radical do positivismo e do cartesianismo. Nossa cultura - e então o Direito - é bastante contaminada com estas cosmovisões. Em nome de uma pretensa objetividade factual, de uma visão positivista dos conflitos sociais como fatos simples passíveis de legislação simplificadora, temos por exemplo sujeitos de deveres e direitos destacados de seus contextos sociais, emocionais, enfim, ambientais. Por isso, está em xeque o modelo do Direito Liberal vindo da Modernidade, a noção de Justiça, de imputabilidade individual e assim por diante. Está em jogo o fundamento mítico da Justiça institucionalizada, como veremos.
Como superar tais limitações/contaminações? Neste contexto surgem teorias e movimentos novos, como Direitos Humanos, Direitos Difusos, Direito alternativo anti-positivista, Hermenêutica Jurídica, e a Justiça Restaurativa, uma de nossas inspirações nesta temática aqui exposta. Em todo caso, expõe-se o ferimento: o interregno e impasse que habita o Direito enquanto Ciência Social e Humana diante da cooptação do mesmo pelo estatuto epistemológico (cartesiano) das Ciências Naturais - pautadas na abordagem positivista. Nesta abordagem, por exemplo, não se entrou nos méritos das condições materiais concretas dos parceiros em conflito. Neste modelo de Direito há uma ênfase legal abstrata, bem como um legalismo algo religioso, como garantidor de normas que partem de uma desigualdade gritante; daí ser chamado por alguns de Direito Burguês. Há um acordo implícito entre os bem incluídos para o seu funcionamento; uma vez posto em marcha, o trem custa a parar, em nome mesmo de pretensa democracia e de um Estado de Direito. Aí entra a hipocrisia oficial e do poder privado.
Vamos à prática: um "sem-terra" necessitado ocupa uma grande propriedade ociosa. Legalmente tem sido visto como um crime, no entanto, moralmente sabemos todos que não é, pois nesta condição, na verdade, trata-se de justiça social. Ou ainda: por que o "ladrão de galinha" é condenado e o "ladrão engravatado" é solto? O próprio cristianismo – que contribuiu para a dicotomia Bem X Mal e a legitimação do "poder terreno" - seja na Bíblia, seja na Doutrina Social da Igreja Católica por exemplo, contempla uma outra noção de justiça, quando institui o modelo do perdão das dívidas desde o Antigo Testamento, ou do acolhimento material dos pobres, ou de Jesus quando diz que quem tem fome pode pegar alimento onde sobra; a Doutrina Social considera lícito certas condições de "furto". Neste sentido, quando um "menino de rua" assalta um rico (e com um pouco mais de dinheiro já se é rico no III Mundo), devemos ter estes aspectos éticos (para além do moralismo) em mente. Quão falsa pode ser a moral vigente!?! Por vezes, um ato imoral ou dito crime toca num fundamento ético mais profundo. Os recursos em comum, mas também o furto é quase tão antigo quanto o homem, e sofreu uma moralização excessiva; hoje podemos pensar sem medo o papel de estabilizador social da própria transgressão, e também o de alarme social. É difícil negar o papel social dos Robin Woods da vida; trata-se sem dúvida de redistribuir empoderamentos, bens, dignidade etc.; é condição essencial para a manutenção social futura. Hoje há condições de compreensão social sistêmica suficiente para apontar que o enriquecimento despreocupado, numa sociedade carente, é muito mais imoral do que certos atos criminosos dos pobres. Por que não o consideramos ainda crime ? Se temos a dimensão da dívida social implicada no valor, no símbolo dinheiro, poderemos entender que a acumulação de capital significa matar gradativamente de fome, gerar violência. E assim começamos corajosamente a perceber uma das grandes causas da chamada "violência". Para esses fins deveríamos falar em violência externa, ilícita, e em violência oculta, tornada lícita. Por que achamos que uma é muito pior do que a outra ?
Em todo caso, numa cultura de paz, não se trata de defender a violência de uma das partes, e o foco é algo como o processo de restauração do violado, o que não exclui as reflexões acima, na medida em que não temos uma situação ideal de parceria social, mas desnivelada. Como falar em justiça, justiça restaurativa, de ofensas/danos/crimes prescindindo do contexto social, econômico e sistêmico ??
Por fim, para ilustrar a mudança histórica e a crisis, como ruptura de paradigma, é só olhar para os grandes movimentos contemporâneos: Ecologia, Física quântica e complexidade, Feminismo, Direitos humanos e paz, revoltas socialistas, o advento estrondoso da psicanálise, a retomada da espiritualidade e de práticas alternativas. A arte contemporânea revelou tal mudança de forma sintomática, e para muitos desconstrutora. As visões da alteridade e da Hermenêutica incluem-se aí neste novum, para além certamente do moralismo.

01 maio 2007

Fundamentos para a restauração da justiça - I

Resolução de conflitos na Justiça Restaurativa e a ética da alteridade e diálogo
Marcelo Pelizzoli - Dr. em Filosofia. Professor da Universidade Federal de Pernambuco – Brasil. opelicano@gmail.com

Este texto é fruto de reflexão em andamento, e busca de modo filosófico encontrar fundamentos para uma renovada visão de justiça, contemplando em especial - mas não unicamente - a chamada Justiça Restaurativa, no que isso tem de amplo. Busco em fontes inspiradoras de grande sabedoria mundial iluminar esses passos. Tais fontes são, como se pode ver pela bibliografia final, a ética da alteridade (Levinas em especial), a Comunicação Não-Violenta (na figura de M. Rosemberg e D. Barter) bem como a Cultura de Paz, a hermenêutica com inspiração em Gadamer; a essência ética do cristianismo e do budismo, algo da análise psicológica da Sombra na moral, e também da crítica ecológica e socialista ao Direito Liberal Moderno. Não podemos exigir que um operador do Direito seja escolado em filosofia, mas que o seja na ética, na visão social e na sensibilidade ao seu tempo. Nesta área, é necessário ser tão objetivo quanto aberto. Aberto significa igualmente o aspecto (auto)crítico: por exemplo, poder perguntar o que representou o modelo sacrificial e punitivo nas sociedades conservadoras; e, mais tarde, nas sociedades liberais perpassadas pela Lex dura lex. No mesmo barco, pagam a conta os vencidos: vae victis, ai, ai das vítimas ! Nitidamente, temos hoje um aparato jurídico e policial, dentro da garantia de Estado distanciada da realização da res publica efetiva, e uma sociedade que não encontra boa realização de seus vínculos e conflitos no Estado; e, por conseguinte, temos como que um Estado paralelo privado com aparatos de segurança, com seus lobbies poderosos; e temos um poder paralelo de grupos, como no tráfico por exemplo. Eles se tornam auto-justificáveis e são aparelhos defensivos. Defensivos de quem e como ? Por que é tão necessário defender-se assim ? Tratar-se-á pois, em termos de Justiça e legislação, de estabelecer novas leis, mais rígidas ?
Muitas vezes me pergunto se não estamos construindo, na idéia da cultura do medo, construindo empoderamentos reacionários, no sentido de recrudescer a repressão, atuando apenas na ponta do iceberg. Daí frases neofascistas a brotar: "ladrão tem que morrer; viva a pena de morte; pena máxima; prostituta vagabunda; era homossexual mesmo; morreu, mas tinha passagem na polícia mesmo; é bom castigo pra aprender; grupo de extermínio; vingança..."; e assim segue a grosseira ignorância.
Este texto é escrito num tempo de urgências, e tenta unir fundamentação filosófica, no que isso significa pensar-cuidar, no que está por trás dos fenômenos sociais-institucionais relativos à questão Justiça e Ética, como pensamento crítico e engajado, buscando estimular o novo tempo, o que temos chamado de novo paradigma: restaurativo, da alteridade, ecológico, holístico, bioético, complexo.
Qual o sentido da Filosofia neste contexto? Eis sua força: pauta-se originalmente na pergunta, e no perguntador. Visa não a solução final e o controle em primeiro lugar, ao modo de um objeto fixado, mas a abertura de horizontes de compreensão em torno de questões intercambiáveis, remetendo aos fundamentos orientadores. Procura abarcar o sentido dos nossos jogos da vida, dos processos de felicidade e sofrimento e das significações vitais por trás das aparências. Na maioria das vezes, a não compreensão das dimensões (sistêmicas, radicais, ontológicas (de essência), históricas...) de um problema contamina toda e qualquer direção de resolução. Exemplo: se temos uma noção de humano como primordialmente agressividade-raiva, e então de justiça como algo punitivo-repressivo, dificilmente vamos entender a procedência de processos de mediação baseada em visões sociais da cultura de paz. Por isso, entender o Saber (ciências em geral) como processo de resposta infinita e errante às perguntas da existência humana, interhumana e ambiental, me permite chegar mais próximo ao perguntador e à sua dor, às suas inquietações. No fundo, trata-se de quem somos e como vivemos ? Sócrates, o pai da filosofia, o homem do dia-logos, nos dá a pista, quando diz: "conhece-te a ti mesmo". Ou ainda: "Antes de buscar calar a boca de meus críticos, procuro tornar-me melhor".
A Filosofia pode fazer perguntas radicais e simples, como as crianças, que desconcertam: de quê estamos falando propriamente ? Fala-se de objetos fixos e problemas específicos, mas, o que temos como significações primeiras, o que está pesando, na real ? Que modelo de pessoa tenho na cabeça, de mundo, de sociedade, de natureza, de história, de ética, de justiça ? Como vejo o outro e o conflito ? O que eu quero da vida ? Uma coisa está ligada à outra; precisamos apreciar algo em conjunto...
1. Visão de conjunto e contexto de crise
Se queremos entender melhor do que se trata com Justiça, precisamos pensar o momento histórico-cultural vivido, num mundo que foi, a fórceps por vezes, se globalizando. A visão de contexto/conjunto aponta para uma crise de paradigma, do que nenhuma ciência ou prática institucionalizada escapou; e é justamente nesta seara pantanosa e ao mesmo tempo fértil que surgem as formas alternativas dentro de uma possível cultura de paz.
Na entrada do séc. XX temos uma ruptura epistemológica séria, dentro do Saber e chegando às bases civilizacionais como um todo. Isso significa que os modelos compreensivos de mundo, por exemplo, de matéria como algo sólido atomizado, de pessoa individual sem inconsciente, de fatos objetivos no mundo externo independentes do observador, de dimensão fragmentária e simplificadora da vida, da divisão homem-natureza, entre outros, estes modelos imperantes começam a ruir. Não apenas pelo surgimento de novas teorias mais apuradas, mas devido aos efeitos danosos desta epistemologia, que toca e molda imediatamente a concepção estética (sensibilidade), ontológica (o ser das coisas), sociológica e ética em especial, valores que seguimos. Em termos mais técnicos, trata-se de um questionamento radical do positivismo e do cartesianismo. Nossa cultura - e então o Direito - é bastante contaminada com estas cosmovisões. Em nome de uma pretensa objetividade factual, de uma visão positivista dos conflitos sociais como fatos simples passíveis de legislação simplificadora, temos por exemplo sujeitos de deveres e direitos destacados de seus contextos sociais, emocionais, enfim, ambientais. Por isso, está em xeque o modelo do Direito Liberal vindo da Modernidade, a noção de Justiça, de imputabilidade individual e assim por diante. Está em jogo o fundamento mítico da Justiça institucionalizada, como veremos.
Como superar tais limitações/contaminações? Neste contexto surgem teorias e movimentos novos, como Direitos Humanos, Direitos Difusos, Direito alternativo anti-positivista, Hermenêutica Jurídica, e a Justiça Restaurativa, uma de nossas inspirações nesta temática aqui exposta. Em todo caso, expõe-se o ferimento: o interregno e impasse que habita o Direito enquanto Ciência Social e Humana diante da cooptação do mesmo pelo estatuto epistemológico (cartesiano) das Ciências Naturais - pautadas na abordagem positivista. Nesta abordagem, por exemplo, não se entrou nos méritos das condições materiais concretas dos parceiros em conflito. Neste modelo de Direito há uma ênfase legal abstrata, bem como um legalismo algo religioso, como garantidor de normas que partem de uma desigualdade gritante; daí ser chamado por alguns de Direito Burguês. Há um acordo implícito entre os bem incluídos para o seu funcionamento; uma vez posto em marcha, o trem custa a parar, em nome mesmo de pretensa democracia e de um Estado de Direito. Aí entra a hipocrisia oficial e do poder privado.
Vamos à prática: um "sem-terra" necessitado ocupa uma grande propriedade ociosa. Legalmente tem sido visto como um crime, no entanto, moralmente sabemos todos que não é, pois nesta condição, na verdade, trata-se de justiça social. Ou ainda: por que o "ladrão de galinha" é condenado e o "ladrão engravatado" é solto? O próprio cristianismo – que contribuiu para a dicotomia Bem X Mal e a legitimação do "poder terreno" - seja na Bíblia, seja na Doutrina Social da Igreja Católica por exemplo, contempla uma outra noção de justiça, quando institui o modelo do perdão das dívidas desde o Antigo Testamento, ou do acolhimento material dos pobres, ou de Jesus quando diz que quem tem fome pode pegar alimento onde sobra; a Doutrina Social considera lícito certas condições de "furto". Neste sentido, quando um "menino de rua" assalta um rico (e com um pouco mais de dinheiro já se é rico no III Mundo), devemos ter estes aspectos éticos (para além do moralismo) em mente. Quão falsa pode ser a moral vigente!?! Por vezes, um ato imoral ou dito crime toca num fundamento ético mais profundo. Os recursos em comum, mas também o furto é quase tão antigo quanto o homem, e sofreu uma moralização excessiva; hoje podemos pensar sem medo o papel de estabilizador social da própria transgressão, e também o de alarme social. É difícil negar o papel social dos Robin Woods da vida; trata-se sem dúvida de redistribuir empoderamentos, bens, dignidade etc.; é condição essencial para a manutenção social futura. Hoje há condições de compreensão social sistêmica suficiente para apontar que o enriquecimento despreocupado, numa sociedade carente, é muito mais imoral do que certos atos criminosos dos pobres. Por que não o consideramos ainda crime ? Se temos a dimensão da dívida social implicada no valor, no símbolo dinheiro, poderemos entender que a acumulação de capital significa matar gradativamente de fome, gerar violência. E assim começamos corajosamente a perceber uma das grandes causas da chamada "violência". Para esses fins deveríamos falar em violência externa, ilícita, e em violência oculta, tornada lícita. Por que achamos que uma é muito pior do que a outra ?
Em todo caso, numa cultura de paz, não se trata de defender a violência de uma das partes, e o foco é algo como o processo de restauração do violado, o que não exclui as reflexões acima, na medida em que não temos uma situação ideal de parceria social, mas desnivelada. Como falar em justiça, justiça restaurativa, de ofensas/danos/crimes prescindindo do contexto social, econômico e sistêmico ??
Por fim, para ilustrar a mudança histórica e a crisis, como ruptura de paradigma, é só olhar para os grandes movimentos contemporâneos: Ecologia, Física quântica e complexidade, Feminismo, Direitos humanos e paz, revoltas socialistas, o advento estrondoso da psicanálise, a retomada da espiritualidade e de práticas alternativas. A arte contemporânea revelou tal mudança de forma sintomática, e para muitos desconstrutora. As visões da alteridade e da Hermenêutica incluem-se aí neste novum, para além certamente do moralismo.

25 setembro 2006

CURSO DE MEDIAÇÃO FAMILIAR SISTÊMICO-RESTAURATIVA




O Espaço Família, tem por missão contribuir para a mudança cultural necessária ao estabelecimento de uma Cultura de Paz, e para cumprir essa missão, oferece consultoria, capacitação e atendimento em Mediação, Terapias e outras Práticas Restaurativas nas situações de conflito, e está lançando, numa iniciativa pioneira, o CURSO DE MEDIAÇÃO FAMILIAR SISTÊMICO-RESTAURATIVA. Esta é uma abordagem inovadora que alia os princípios e as práticas restaurativas à necessária visão sistêmica da família, num modelo interdisciplinar capaz de responder a grande parte das demandas no contexto dos conflitos familiares.


DIA 20 DE OUTUBRO - Palestra de apresentação do curso na Livraria Cultura Paço Alfândega - às 19:00h
Visão histórica do Sujeito e a questão do outro (alteridade) e sua repercussão nas relações familiares. O paradigma da não-violência e suas implicações sociais como justiça.

Programa do Curso

MÓDULO I – 24/11 (14h às 19h) e 25/11/2006 (08h às 17h) -
Facilitadoras: Maria Nobre - Psicóloga, Terapeuta de Família e Mediadora de conflitos e
Lúcia Rosas - Advogada, Terapeuta de Família e Mediadora de conflitos

  • Considerações sobre mediação. Entendendo o conflito. O lugar dos afetos. Conceito de mediação familiar. Formação do mediador familiar. Compreensão do sistema familiar. Transformação sócio - cultural do modelo de família. Noções de direito de família (aspectos objetivos e subjetivos) Comunicação humana. Interdisciplinaridade. O processo da mediação familiar; Questões de mediação familiar; Enquadramento da mediação familiar Separação conjugal e sentimentos.

MÓDULO II – 01 (14h às 19h) e 02/12/2006 (08h às 17h) –
Facilitadores: Marcelo Pelizzoli - Prof. UFPE; Doutor em Filosofia e
Marcia Gama - Professora; Mediadora de conflitos; Facilitadora de Aprendizagem em Comunicação Compassiva

  • Fundamentos da Justiça e Cultura de Paz, Breve visão histórica. Visão sistêmica do Social. Sombra pessoal/coletiva e a Violência. Alteridade e Diferença. Amor e Pathos. O exemplo da alternativa CNV. Princípios de Justiça Restaurativa. Valores Restaurativos e sua expressão na família. A Comunicação Não-Violenta (ou Compassiva) como instrumento do profissional facilitador As práticas restaurativas na família (Círculo de decisão e círculo restaurativo familiar, mediação).

Local: Colégio Contato - Derby
Carga horária: 15 horas-aula cada Módulo
Investimento: R$ 150,00 cada Módulo - Inclui dvd sobre Justiça Restaurativa, almoços dos dias 25/11 e 02/12 (para inscrições confirmadas até 21/11), lanches nos intervalos e Certificado de participação ESPAÇO FAMÍLIA - LABORATÓRIO DE FILOSOFIA/CFCH-UFPE)

Inscrições: Av. Guararapes 178, Ed. Almare, sala 127 - Telefone 32243400 (somente à tarde).
Pagamento por meio de depósito em conta e envio de ambos pelo fax 32243400, pelo email espacofamilia@yahoo.com.br ou pessoalmente em nosso escritório.
A conta para depósitos é: Caixa Econômica Federal - Ag. 2346 - Op. 003 - C/C 240-4

Vagas limitadas!
OUTRAS INFORMAÇÕES com a Cordenação:
Miriam Santos - apoio Técnico - 9239-7838
Roseana Maranhão - apoio administrativo - 9111-4232
Socorro Neves - Tesouraria - 9937-8334

Esperamos e agradecemos desde já, a oportunidade de compartilhar experiências que podem contribuir significativamente para melhor nos capacitar a lidar com as desafiadoras situações de conflito que emergem nesse momento de transição histórica da humanidade, sobretudo no âmbito da família em transformação.

23 maio 2006

Sobre pontes, braços, e abraços

Olha aí o Recife.
Ilha e pontes.
Corpo e braços
muitos braços que se estenderam
muitos braços que envolveram
muitos braços que se enroscaram
formaram teia.
Teia que acolheu,
que se desdobrou
daquele jeito que se desdobram
as teias de mil laços, de muitas mãos.


Olha aí o Recife.
Gente formiguinha lá em baixo
fazendo caminho
trilhas da história do tempo de ser paz.
E de ser restaurado e restaurativo
como só sabe ser o que entende de pontes
de braços, de abraços.
Que bons dias esses do abril do Recife
na semana Santificada
pela ação dos que rEvolucionam
se reconhecem corpos e pontes
e cheios de braços, nos abraços e pontes restauram a Vida.

Márcia Gama
II SIMPÓSIO BRASILEIRO DE JUSTIÇA RESTAURATIVA - abril 2006

16 maio 2006

... e o Círculo Restaurativo chamado Ciranda





Pena que o blog não tem som!
Precisa falar mais?

Gratidão é o sentimento de toda(o)s que fazem o Espaço Família.

Agora, o adeus...






Numa proposta bem informal para um encerramento, fizemos, logo após a fala do representante da Fundação Joaquim Nabuco, instituição parceira na realização do Simpósio, uma despedida de todos os palestrantes que se encontravam presentes. Foi um momento comovente para todos e começou com o Dr. Leoberto Brancher, o mesmo da palestra inicial, cuja fala emocionou, mobilizou, e sobretudo comprometeu aos que o ouviram a se informarem mais, aprenderem mais e exercitarem mais a sua responsabilidade de co-construtores da vida na terra, adotando práticas que estejam, como as práticas restaurativas, a serviço da vida humana.
E se seguiram tantas falas importantes, tantos 'toques' imprescindíveis, tanta troca de Amor, aquele sentimento maiúsculo que guiou todas as ações desse evento, que em muitos a expressão foi além do aplauso e chegou ao pranto de celebração. Benditos momentos tivemos juntos ali.

O Dia do Encerramento

Para o dia do Encerramento foram preparados momentos mais formais - Leitura da Carta do Recife e Palestras de Encerramento, e momentos de congraçamento.
Mas aconteceram mudanças. Bem vindas mudanças.
Tivemos a leitura da Carta do Recife, e depois desta, uma palestra surpresa, cuja história vale ser contada.
Na tarde do domingo antes do evento, estávamos fazendo a decoração quando fomos abordadas por uma hóspede do hotel que queria saber qual era o evento. Era francesa essa hóspede - Mme. Marie Dominique Vergez, e logo nos entendemos pois ela, ao saber que o evento tratava de Justiça Restaurativa, mencionou que trabalhava com o tema em Paris, onde era Conselheira da Corte de Apelações. Estava no Recife a convite de uma Ong parceira de seu projeto, a CIAF de Ribeirão Preto-SP, para lançar uma campanha contra a Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes.
Ousamos fazer um convite para que assistisse ao evento mas ela, muito eufórica com a oportunidade, ofereceu-se para fazer uma palestra sobre o projeto que desenvolve no âmbito da JR e de como andam as iniciativas nesse campo na França. Disse logo que buscaria um tradutor e ficamos de ver em que horário poderíamos encaixar a sua palestra.
Ficou para o dia do encerramento. Foi uma "canja" de elevado nível e nos deu uma oportunidade de ver o que está sendo feito na França e sobretudo de constatarmos nossos avanços visto que os projetos aqui desenvolvidos têm caráter mais completamente restaurativo que o que ela descreveu, que se foca mais na fase da negociação de reparação.

A mesa foi mais rica ainda por contarmos com a participação do Prof. Pedro Scuro Neto, que se propôs a auxiliar na tradução, para maior clareza de alguns aspectos, visto que o tradutor que tão gentilmente acompanhou a palestrante não era versado no tema e acolheu com simpatia a ajuda oferecida pelo Prof. Pedro. E o II Simpósio ganhou ares de evento internacional com esse intercâmbio imprevisto e tão oportuno.

Justiça Restaurativa e Cultura de Paz

Eis um momento de integração de saberes em favor da construção maior: o estabelecimento de uma Cultura de Paz na terra.
Dominic Barter, tão conhecido por todos por sua militância na disseminação da Cultura de Paz através da palavra, fundada no modelo da Comunicação Não Violenta (desenvolvido por Marshall Rosenberg) que é seu instrumento para a prática da Mediação de Conflitos e da facilitação de Círculos Restaurativos, falou-nos daquilo que inspirou essa criação e da necessidade de um modelo de comunicação que expresse esse tipo de sociedade cooperativa e servidora que se quer construir.
O eminente Professor Francisco Gomes de Matos discorreu sobre o trabalho que realiza no campo da pesquisa e desenvolvimento de uma linguagem que sirva à vida, que sirva à paz, denominada Lingüística da Paz. Como autor de inúmeros trabalhos nesse campo, o Professor Gomes de Matos trouxe uma contribuição imensa ao que se queria despertar na audiência: a consciência de que é nosso o poder de realizar essa construção e de que somos dotados dos instrumentos necessários a isso.
Sempre reconhecendo que "no princípio era o verbo" viu-se que também para a consolidação das práticas restaurativas é imperativo o desenvolvimento de uma fala apropriada a esse objetivo, em substituição ao que hoje temos como padrão de comunicação que serve ao modelo social de dominação e confronto.
A Professora Maria Elvira Tuppy, com seu jeito de paz, fez uma bela apresentação que levou toda a audiência a uma profunda reflexão, quase meditativa, acerca da necessidade de nos vermos como um grande sistema cuja subsistência saudável depende de interconexões saudáveis, somente possíveis com esse reconhecimento de totalidade e unicidade.
E essa bela mesa teve a coordenação e comentários do Eng. Afonso Celso Wanderley, membro da Unipaz/PE que, com sólida formação em Cultura de Paz, contribuiu ainda mais para uma mesa que dava todo sentido ao chamado do Simpósio pela interdisciplinaridade.

Experiências de Atendimento à Família

Um encontro dos mais concorridos foi aquele em que a equipe do JECRIM de Olinda apresentou suas estratégias de atendimento aos casos envolvendo famílias.
O Juiz Ailton Alfredo e sua equipe demonstraram de maneira vívida e dinâmica as estratégias e os resultados que obtém e fez a ligação dessas práticas com aquelas preconizadas pelo modelo restaurativo. Foi um momento de constatar-se que, intuitivamente, muitas pessoas já vêm se dedicando à consagração de práticas que têm como objetivo a manutenção e melhoria das relações humanas afetadas por uma situação de conflito e até de crime. Certamente essa é uma equipe para quem o desenvolvimento de um projeto de Justiça Restaurativa será facilitado por essa experiência humanizadora atual. E o reconhecimento foi manifestado em muitos aplausos e parabenizações que se ouviam pelos corredores.

15 maio 2006

Entre um aprendizado e outro, a alegria

De novo os participantes foram brindados com arte e alegria com exibições artísticas vibrantes e coloridas.
A Casa de Passagem apóia esses e muitos outros jovens talentosos, propiciando espaços e condições para desenvolvimento de sua arte e integração comunitária.
Os participantes do II Simpósio Brasileiro de Justiça Restaurativa puderam se emocionar e manifestaram essa emoção nos efusivos aplausos que dedicaram a essa juventude dançante.

A Mediação Vítima-Ofensor

O Dr. André Gomma de Azevedo fez uma apresentação detalhada e apoiada num filme gravado especialmente para o evento e posteriormente para as capacitações que ele realiza, de uma Mediação Vítima-Ofensor onde um caso é abordado por equipe interdisciplinar, nos moldes dos atendimentos do Projeto do Núcleo Bandeirante - Brasília.
Além de assistirmos ao desempenho artístico de profissionais da equipe que trabalha com o Dr. Gomma (que as produtoras de novelas não os vejam, senão a JR perde logo sua maravilhosa colaboração), vimos como é possível aprender os detalhes da difícil mediação vítima-ofensor. Uma aula de mestre!!

Terapia Comunitária e Círculo Restaurativo

Enquanto muitos assistiam à palestra sobre CNV, outro grande grupo participava de uma experiência nova, proporcionada pela equipe do Espaço Família.
Foi uma Oficina/Sessão de Terapia Comunitária, modelo de atendimento para escuta e alívio de sofrimentos cujas regras de funcionamento em muito se assemelham às do Círculo Restaurativo e foi apresentado para estimular o desenvolvimento de nossos modelos para esse tipo de procedimento.
A Terapia Comunitária é um procedimento desenvolvido pelo psiquiatra e antropólogo cearense Prof. Adalberto Barreto, que realiza em Fortaleza o Projeto 4 Varas (www.4varas.com.br), e o Espaço Família, em cuja equipe há vários profissionais com essa formação, é um Pólo Formador de Terapeutas Comunitários no Recife, no âmbito do convênio do MISMEC - Movimento Integrado de Saúde Mental Comunitária e a SENAD - Secretaria Nacional Anti-Drogas.
A percepção do quanto essa dinâmica de atendimento se presta aos atendimentos restaurativos como os Círculos Restaurativos foi o resultado concreto da inserção dessa oficina na programação do II Simpósio de Justiça Restaurativa, consagrando seu apelo pela interdisciplinaridade.
Segundo o relato de Kátia Saraiva, do Núcleo de Terapia Comunitária do Espaço Família e uma das facilitadoras da sessão, "a TC durante o Simpósio foi muito boa , ESPECIAL !"

"Eu e Socorro Neves fomos as facilitadoras, num encontr que contou com 25 participantes. Haviam 50 inscritos mas como o horário da manhã foi extrapolado um pouco, tivemos uma diminuição do público inscrito e esperado, já que não podíamos retardar muito o início da TC porque a sala seria utilizada logo a seguir por uma outra oficina.

Os 25 participantes ( 21 mulheres e 4 homens ) compartilharam , dinamicamente, durante as quase 2 horas de TC, a começar pelo acolhimento quando Socorro fez. Todos tiveram oportunidade, neste momento, de rir, de brincar e de cantar, uma descontração muito necessária para o 1o. entrosamento e para a confiança no grupo.

Após toda a descrição do que é TC e definição de suas regras, abrimos o espaço para que temas fossem apresentados, sempre colocando que "quando a boca fala o corpo sara". De imediato as mãos foram se levantando e rapidamente 5 assuntos nos foram confiados, todos girando em termos de perdas em geral.

O tema escolhido (o sofrimento e o vazio sentido por G. por perder seu marido há um mês, doente de cancer e a perda de um filho, assassinado, há um ano) recebeu 16 votos, mostrando que a maioria dos participantes se identificou com a questão, havendo muito interesse para o desenrolar da TC.

Quando o mote foi apresentado (Quem já passou por uma grande perda , e como fez para superar?) de imediato várias mãos indicaram que estavam disponiveis para ajudar G. trazendo para ela o testemunho de suas várias estratégias de superação.
Para fechar esta etapa, lemos para G. o resumo das estratégias de superação apresentadas pelos participantes da TC e ela agradeceu a oportunidade de falar, de desabafar. Agradeceu tambem a escuta de cada um e a contribuição de todos falando também de suas dores para ajudá-la. Ela declarou que estava se sentido melhor depois da TC.

No final abrimos uma grande roda de partilha e quando Socorro lançou a pergunta "o que estamos levando desta TC ?". De imediato surgiram palavras como: amor, fraternidade, confiança, aprendizado, fé, partilha, união, conhecimento,... etc. e depoimentos assim: como meu problema é pequeno; O sofrimento de G. me fortaleceu; Como foi bom participar desta TC; Esta TC também me ajudou porque falei de mim... etc.

Feita a etapa de fechamento, sugerí abraçarmos uns aos outros. Foi muito bom!

A Comunicação Não Violenta - Instrumento para a Prática Restaurativa

Muito esperada por todos, a Oficina de Comunicação Não Violenta tornou-se uma apresentação, e uma oportunidade de ouvirmos sobre o trabalho que vem sendo realizado por Dominic Barter na capacitação das equipes que estão atuando nos projetos-pilotos.
A CNV faz a diferença no atendimento por propiciar ao facilitador ou mediador comunicar-se de um jeito que desconstrói padrões de competitividade/ agressividade e conduz à fala que expressa verdadeiramente a assunção de responsabilidade, o reconhecimento do outro, a valorização de sentimentos, valores e necessidades de todos os envolvidos, e a abertura empática para o diálogo que pode construir os acordos de reparação e a reconciliação preconizadas pelo modelo de Justiça Restaurativa.
A CNV é uma resposta àquela pergunta tão angustiante que de imediato nos acode: "como conseguir que as pessoas que nos chegam com tanta mágoa, tanta raiva, e tanta certeza em suas posições dêem um passo em direção à responsabilização, reparação e reconciliação de que falam os Princípios e as Práticas Restaurativas?"
Dominic deu exemplos muito vivos de como isso ocorre e encheu a todos da certeza de que a JR é algo realizável em grande parte (na verdade na maioria) dos casos de conflitos dolorosos.

A conexão com as artes continua



A Oficina de Pintura foi repetida nesse começo de tarde e um painel foi composto com a visão dos participantes acerca de Justiça e Justiça Restaurativa. Maria Nobre, sócia fundadora do Espaço Família e dublê de psicóloga e pintora, incumbiu-se de conduzir essa 'viagem'.

Foi um momento de reflexão e descontração, numa visita à criança que todo adulto tem em si e que permite expressões não censuradas de crenças e valores ciosamente guardados pela não assunção da "responsabilidade ativa" de que nos falou o Dr. Eduardo Melo naquela manhã.

14 maio 2006

Justiça Restaurativa - Liderança e Espiritualidade

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... ou a hora mágica...
Num evento tão marcado por acontecimentos tocantes não poderia ter faltado um momento verdadeiramente mágico.
A mesa Justiça Restaurativa - Liderança e Espiritualidade foi programada num horário desafiador para qualquer palestrante: aquela hora que antecede o final dos trabalhos da manhã e vizinha da hora do almoço. No dia anterior já víramos acontecer a azáfama comum a essa hora, com platéia dispersa e agoniada para sair, sobretudo por causa do atraso que já se verificava.
Mas a mesa em que o Dr. Egberto Penido, juiz de direito de São Paulo e uma das lideranças do Movimento Restaurativo no Brasil falaria sobre Justiça Restaurativa e Espiritualidade, e o Filósofo e Professor Deodato Rivera falaria sobre Justiça Restaurativa e Liderança fez acontecer a magia da conexão plena e o que se viu foram momentos de quietude inimaginável, de atenção contrita, de um silêncio inspirador da paz e serenidade com que todos saíram daquele auditório naquela já atrasada hora de almoço.

O Dr. Egberto começou sensibilizando a todos com uma citação que, por sua origem, comoveu mais aos de casa:

"Ajudem a restaurar na angustiada condição humana a crença na Justiça. E que a Justiça venha a ser para vocês e para todos nós… algo tão essencial à vida, como o pão e a água que diariamente a todos alimenta"… "E que, em consequência, a Justiça exista…: como a luz, como a sombra, como o mar, como os rios, como tudo aquilo que, sendo dávida de Deus, não pode desaparecer…"
Syleno Ribeiro de Paiva eminente jurista pernambucano em seu discurso de paraninfo dos concluintes de 1968 da Faculdade de Direito do Recife

A partir daí as falas daquela mesa remetiam a algo muito além da dimensão do intelecto, envolviam todo o ser e quem participou daquele momento pôde experimentar algo como ter feito uma sessão de meditação profunda. E felizmente uma meditação em torno dos princípios e valores que devem sustentar as práticas restaurativas.

Justiça Restaurativa e Filosofia

Um dos momentos mais brilhantes do evento foi sem dúvida esse encontro.
Ouvir o Dr. Eduardo Melo discorrer sobre
Justiça Restaurativa e a questão da responsabilidade ativa - onde fez uma análise filosófica da fundamentação do projeto "Justiça e educação: parceria para a cidadania" que desenvolve em São Caetano do Sul, foi um momento de muitas respostas, um mergulho naquilo que se pode considerar o cerne do modelo restaurativo e o verdadeiro elemento de transformação na pessoa (valor Justiça) e no sistema. A clareza e convicção com que ele discorreu sobre esses aspectos tão importantes para o desenvolvimento de projetos que se queiram enquadrar como 'restaurativos' mobilizou profundamente a audiência.
E sua fala não poderia ter tido melhor seqüência que aquela do Prof. Marcelo Pellizoli, filósofo que desde que conheceu o movimento de Justiça Restaurativa tem buscado o aprofundamento necessário e já compreendeu bem a dimensão da transformação que está em curso . Com agudeza e muita propriedade envolveu a platéia com reflexões profundas acerca do que está acontecendo com a sociedade e do que está por vir, caso mudanças como as do modelo de Justiça Restaurativa não se instaurem com a celeridade reclamada.
Esse diálogo teve o "auxílio luxuoso" do Dr. Gilberto Lúcio, psicólogo do TJPE e do NAAP-MPPE que, no papel de Mediador, trouxe também reflexões que enriqueceram ainda mais o diálogo, quando de sua intervenção.

13 maio 2006

Justiça Restaurativa e Saúde

Com a competente mediação do Prof. Dr. Roberto Faustino de Paula, coordenador do Curso de Especialização em Terapia Familiar da UFPE, a mesa Justiça Restaurativa e Saúde despertou grande interesse por ser essa uma interconexão das mais relevantes num processo restaurativo.
Essa ligação foi sabiamente exposta e esclarecida na fala da Dra. Vânia Curi, psicóloga e mediadora, entre outras competências, que falou da sua grande experiência com esse trabalho de abordagem holística de conflitos e de seu entusiasmo com as possibilidades trazidas nas propostas da Justiça Restaurativa.
A Dra. Adriana Barbosa Sócrates deu seqüência à mesa falando de seu trabalho acadêmico e sua experiência como participante da equipe do Projeto de Justiça Restaurativa do Núcleo Bandeirantes em Brasília. Trouxe a importância da visão psicanalítica nos processos de intervenção restaurativa e o quanto esses conhecimentos podem subsidiar os atendimentos e direcioná-los à cura das situações de conflito e até violência pela transformação comportamental da pessoa atendida com esses fundamentos. Se em Justiça Restaurativa se cuida de mudar uma visão maniqueísta consagrada por uma visão dualista da vida e do ser, a contribuição das ciências da saúde, sobretudo da saúde psíquica do ser humano, é imprescindível para a consecussão desse objetivo.

A Hora do Encantamento

Aqui uma visão daquele encontro onde juízes e promotores ouviam atentamente sobre o repertório de possibilidades de fazerem mudar o rumo desalentador da história da Justiça nos nossos dias.
Os que já experimentaram o encantamento cuidavam em encantar os neófitos. Eram tantas dúvidas, tantos questionamentos. Mas era também tanta determinação, tanta vontade, que decerto valeu a pena a momentânea cisão na programação do Simpósio.
Afinal, acudiram ao chamado juízes e promotores em cujo coração aquele "Sim" que segundo o Dr. Egberto está contido no termo Simpósio, já estava gritando por uma oportunidade de existir. Agora é esperar que frutifique a semeadura feita ali e que o encantamento lançado se consagre em projetos restaurativos.

O Dia dos Encontros e Desencontros

O segundo dia reservou surpresas, encontros e desencontros. A programação, por propostas várias, foi mudada. O Juiz Eduardo Melo, cioso da necessidade de mobilizar mais o nosso Judiciário, cuja presença era pálida - provavelmente pelo fato do evento ter sido organizado por uma instituição que não faz parte do 'sistema', convidou pessoalmente juízes e promotores locais para uma reunião no contexto do Simpósio. Como ele estava com sua viagem de volta marcada para a tarde daquele dia, essa reunião teria que acontecer pela manhã. Foi uma iniciativa providencial mas que gerou o desencontro de juízes e promotores com os profissionais de outras áreas - o encontro interdisciplinar. Da programação daquela manhã constavam "Justiça Restaurativa e Saúde", "Justiça Restaurativa e Filosofia" e "Justiça Restaurativa e Liderança e Espiritualidade". Então ficou o lamento pelo fato de juízes e promotores terem perdido esse encontro, embora estivessem também participando desse magnífico momento de primeiro contato com a JR.
À tarde tivemos outro desencontro. Estava marcado para as 16h um Debate sobre a Proposição Legislativa sobre a instituição da Justiça Restaurativa no Brasil. Na véspera recebemos um telefonema da assessoria do Deputado Leonardo Monteiro, relator da proposição no Congresso, informando que o mesmo participaria do Debate, mas que devido à necessidade de voltar no mesmo dia para Brasília não poderia ficar no horário antes programado. Como tínhamos sala disponível mudamos o horário do Debate para as 14:30 e avisamos aos participantes no microfone e no telão. Perto da hora do almoço fomos avisados de que o Deputado não conseguira mudar seus compromissos e não tinha vindo ao Recife. Infelizmente houve um esvaziamento e o Debate não reuniu número mais expressivo de pessoas, embora as que ali estiveram fossem bem representativas do 'pensamento restaurativo'. Procuramos acolher com empatia o desgosto do Dr. Renato Sócrates que tanto desejava ver essa proposta melhor conhecida e debatida por tanta gente já encantada com os Princípios da Justiça Restaurativa.
Para gáudio de todos nós, mesmo sem a contribuição que se queria obter no Debate, a tramitação da proposição seguiu célere, foi apresentada ao Congresso e já há uma proposta de Projeto de Lei em curso. Agora cabe-nos acompanhar e sobretudo opinar para que a Lei a ser criada represente com o máximo de fidelidade os Princípios pelos quais estamos trabalhando.

12 maio 2006

A Educação Restaurativa

Esse primeiro dia de simpósio terminou com uma roda de diálogo em torno de um tema fundamental: A Educação Restaurativa. Numa mesa em que estavam o Professor e Filósofo Deodato Rivera, o Juiz e Professor André Gomma e a Professora Maria Elvira Tuppy, os vários aspectos da íntima conexão da Educação com a Justiça Restaurativa foram apresentados. E contando novamente com a hábil Coordenação de Mesa do Dr. Carlos Eduardo Vasconcelos.

Ao Dr. André Gomma coube iniciar o diálogo com uma apresentação acerca daquilo que se precisa para promover a formação das pessoas que vão desenvolver as práticas restaurativas quer no âmbito do judiciário, quer em outras instâncias onde elas venham a ser aplicadas. Ele tratou com muita propriedade daquilo que se poderia chamar de Formação para as Práticas Restaurativas e que deverá constituir-se do estudo de disciplinas que hoje não estão presentes em nossos currículos de formação profissional e que já são imperativas, visto a grande demanda por habilidades de abordagem de conflitos e enfrentamento da violência que, insidiosa, já está presente em quase todos os ambientes de grupos humanos.

O Professor Deodato Rivera, com sua verve criativa e inspiradora, falou da Educação Restaurativa como um processo que determina a própria "restauração da educação", transmutada nos tempos modernos, de busca da eficiência produtiva, em instrução ou adestramento para a produção de bens e serviços, e distanciada da formação para valores existenciais humanos. Ouvi-lo é confirmar a direção que a educação deve tomar para promover a mudança na cultura de valores de competição e retribuição para os valores da cooperação e restauração de relações saudáveis entre humanos.

A Professora Maria Elvira Tuppy, vinda de Araçatuba para nos falar de como educar para a Cultura de Paz e de restauração onde as relações humanas já estão comprometidas por crenças e valores distorcidos, criou aquele momento mágico de comoção e mergulho interior.
Com muitas imagens inspiradoras, falou, e provou com dados do trabalho que desenvolve nas escolas da região noroeste de São Paulo, que a Educação Restaurativa é a educação para a Paz e que é um longo caminho feito das experiências diárias de respeito a si mesmo, ao outro, ao ambiente que o abriga.
E demonstrou como isso é fundamental para que se consolide a mudança cultural proposta pela Justiça Restaurativa. Trouxe-nos o alento da certeza de que tudo que hoje inquieta e intimida a sociedade competitiva e aguerrida em que vivemos pode ser transformado quando as pessoas são educadas para os valores que respondam aos anseios de vida digna e realizada.

E por que não a dança...?



Quem veio viu e gostou...

Jovens participantes de projetos sociais da Casa de Passagem, uma instituição parceira do Espaço Família, e residentes no bairro onde se localizava o Recife Praia Hotel, apresentaram nos intervalos vários números de dança que bem expressavam a alegria de recebermos a todos que aceitaram o convite de estarem ali, respirando a transformação, se inspirando para serem os portadores da boa nova e fazedores da verdadeira Justiça, que responde ao anseio da justiça pessoal e vai mais longe, tornando-se Justiça Social de verdade.

E além dos aplausos e expressões carinhosas da gratidão de todos, esses jovens saíram imbuídos da certeza de que ali se cuidava, e muito bem, do mundo em que eles viverão sua plenitude.

A experiência de Brasília



Diante de platéia atenta e curiosa o Dr. Asiel Henrique de Souza, responsável pelo Projeto de Justiça Restaurativa que está sendo desenvolvido em Brasília, no Núcleo Bandeirante, e que envolve o Juizado Especial Criminal daquela comunidade, discorreu sobre o desafio e a grande transformação propiciada pela aplicação dos princípios e práticas da Justiça Restaurativa no âmbito da justiça criminal. O Projeto do Núcleo Bandeirante é o pioneiro na área criminal de adultos e em muito se diferencia daqueles projetos voltados para a infância e adolescência. Numa exposição bem objetiva e apoiada pelo depoimento de membros da equipe interdisciplinar que atua no projeto, o Dr. Asiel pôde esclarecer muitas dúvidas sobre a aplicabilidade dos processos restaurativos no âmbito criminal e demonstrar com dados já consistentes a importância da transformação proporcionada pela implantação da Justiça Restaurativa nessa área onde é tão cristalizada a prática da retribuição (o modelo "olho-por-olho").
A platéia saiu dali com muitas respostas e agora com as perguntas do como fazer aquilo em sua própria prática de Justiça.
Foi um momento de aprendizado e de alívio para muitos que ainda não conseguiam ver quão transformadores resultados a Justiça Restaurativa pode apresentar também na Justiça com adultos.

A experiência de Porto Alegre



O Dr. Leoberto Brancher apresentou as estratégias, a metodologia e os resultados das práticas que desenvolve no âmbito do Projeto de Justiça Restaurativa que lidera na 3ª Vara da Infância e da Adolescência de Porto Alegre, onde responde pela execução das Medidas Sócio-educativas aplicadas aos jovens infratores. E é no âmbito da aplicação dessas medidas que mais se concentram as práticas restaurativas que estão produzindo os resultados transformadores buscados. Surpreendeu a muitos, motivou a maioria, e sobretudo fez com que ninguém saísse dali indiferente à grandiosidade do que pode ser obtido com esforços pessoais verdadeiramente comprometidos com a construção de um mundo compassivo, pacífico e mantenedor da vida, como o que é feito pelo Dr. Leoberto e sua equipe.
E ressalte-se que os esforços do Dr. Leoberto vêm de muito antes de estar à frente desse projeto visto que há cerca de seis anos vem desenvolvendo práticas restaurativas, mesmo de forma não sistematizada como no projeto-piloto que o TJRS abraçou nessa parceria com o PNUD e a Secretaria de Reforma do Judiciário.
Esse foi mais um dos momentos de grande aprendizado de 'como' fazer Justiça Restaurativa.

A semeadura da JR em Pernambuco



As palestras da primeira manhã do evento tiveram a coordenação do Dr. Carlos Eduardo Vasconcelos - Gerente de Mediação e Prevenção de Conflitos da Secretaria de Justiça de Pernambuco, que na sua intervenção falou da sua iniciativa em direção à cultura restaurativa e de abordagem não-violenta às situações conflituosas, antes mesmo que se tornem caso de polícia e de justiça. Trata-se do Projeto dos Centros Comunitários de Mediação de Conflitos. Por esse projeto as comunidades estão sendo preparadas através da capacitação de suas lideranças nas práticas de intervenção mediadora, estão sendo estimuladas a identificarem locais nas próprias comunidades onde essas lideranças poderão atuar, inteirando-se dos conflitos e procedendo ao primeiro atendimento, e foi formado na SEJUDH um quadro de Mediadores, em parceria com o CEMAPE - Centro de Mediação e Arbitragem de Pernambuco, que estão atendendo aos casos encaminhados por esse facilitadores de Mediação que fazem a primeira escuta na própria comunidade.

É um projeto ousado, atualmente focado na Mediação, mas no qual serão paulatinamente inseridas práticas restaurativas que vão além desta visto que muitos casos não podem ser abordados por esse método. São os princípios da Justiça Restaurativa sendo introduzidos em outros ambientes onde o valor Justiça é reclamado, precedendo ou extrapolando o campo do Judiciário.

As Experiências Brasileiras de Justiça Restaurativa



Na tarde desse primeiro dia de encontro, a audiência foi dividida em grupos para acompanhar as apresentações das experiências brasileiras de Justiça Restaurativa. Foi um momento de difícil escolha pois tratava-se de escolher uma apresentação e perder duas outras, todas igualmente esclarecedoras do "como fazer" Justiça Restaurativa.

O Dr. Eduardo Melo, juiz responsável pelo Projeto que está sendo desenvolvido na cidade de São Caetano - São Paulo, discorreu sobre como está sendo desenvolvido esse projeto que tem uma característica muito peculiar pois envolve diretamente outro importante espaço de promoção e consolidação de mudança de cultura num povo – a Escola. Foi um momento em que se vislumbrou com muita clareza a necessidade da Justiça ser um valor exercido na interdisciplinaridade, no envolvimento sistêmico de todos os atores sociais co-responsáveis pela formação do substrato cultural que caracteriza uma determinada sociedade.

Dr. Renato Sócrates e os desafios JR


Na terceira mesa do primeiro dia do evento, a responsabilidade da apresentação do tema "Justiça Restaurativa – O papel dos operadores do sistema de justiça criminal" foi do Dr. Renato Sócrates Gomes Pinto, Procurador do DF aposentado, Diretor do Instituto de Direito Comparado e Internacional de Brasília, e um dos mais atuantes líderes no movimento de implantação da Justiça Restaurativa no Brasil, estudioso dos aspectos jurídicos relevantes ao desenvolvimento de projetos e às mudanças necessárias na legislação brasileira. De fala objetiva, e com sua larga experiência de muitos anos como operador do sistema de Justiça, quer como advogado, quer como promotor público e procurador, o Dr. Renato expôs os desafios, suscitou ponderadas reflexões na platéia, esclareceu muitas das dúvidas que o tema suscita naqueles que já se ocupam com a operacionalidade do nosso sistema de justiça. Teve como debatedora a Dra. Yélena Araújo, promotora de justiça com atuação no 1º JECRIM do Recife, que subsidiou o tema da apresentação com uma sucinta exposição acerca dos desafios que tem enfrentado na sua lide diária, na busca de respostas diferenciadas que atendam de forma mais humana aos ‘crimes’ que chegam ao juizado em que atua.
O momento de troca e de interação entre palestrantes e platéia, embora comprometido pela exigüidade de tempo, permitiu que muitas perguntas fossem respondidas e que intervenções reflexivas da platéia enriquecessem o aprendizado daquele momento. A natureza controvertida das práticas restaurativas cotejadas com o sistema jurídico atual suscitou questionamentos que deixaram clara a necessidade de mudanças na legislação, como a que está sendo proposta pelo IDCB – Instituto de Direito Comparado e Internacional de Brasília e que já tramita no Congresso Nacional.
Ficou em todos o necessário gosto de "quero mais", que é sempre um dos objetivos de um encontro como esse, que não pode senão motivar para a busca do aprendizado mais aprofundado.

30 abril 2006

Terra prometida: o caminho é ali



O Professor Pedro Scuro Neto, estudioso de espírito pioneiro, que se imbuiu da árdua tarefa de ser portador, aqui em terras brasílicas, da boa nova do surgimento da Justiça Restaurativa, foi flagrado pelo fotógrafo, durante a sua apresentação, nessa posição que segundo sua bem humorada definição quer dizer:

Terra prometida: o caminho é ali...

O caminho que nos era mostrado era o caminho das respostas da Justiça Restaurativa às experiências malfadadas da nossa cultura, traduzidas em números preocupantes e até assustadores da evolução da criminalidade e da imposição de sofrimento pela ruptura social que aqueles números demonstravam.

E, com seu jeito comprometido com a causa, nos disse desse caminho que está sendo trilhado, ao mesmo tempo que construído pela sociedade brasileira, em direção às práticas transformadoras da Justiça Restaurativa, clamando sempre pelo cuidado que devemos ter com os princípios que norteiam essas práticas, para que não nos percamos e as tornemos apenas novas técnicas de resolução de conflito em vez de instrumento rEvolucionário que nos levará à mudança de paradigma cultural que ensejará a manutenção e melhoria de qualidade da Vida humana na terra.

Acompanhar a fala do Prof. Pedro foi experimentar o que é o sentimento de convicção que anima os que se dedicam a uma causa muito maior que aquela do sucesso pessoal. É acompanhar e sorver do sentimento que anima a liderança servidora. E é nos enchermos de gratidão pela generosa doação daqueles momentos do Simpósio.